Oi pessoal, feliz 2018!
Escrevi esse texto a pedido do
Pavel Dodonov, que pediu inputs para que ele escrevesse um texto recém publicado no Dynamic
Ecology. Esse tema foi abordado em uma sequência de posts sobre como é fazer ciência e trabalhar com ecologia no Brasil ("Doing Ecology in Brazil"), e também em outros países. Adorei a experiência e o resultado final do texto do Pavel foi bem
legal e positivo. Na sequência também vieram outros textos muito interessantes que contribuem muito com esta discussão, como por exemplo o do professor Marco Mello e o do
professor Thiago Silva. Foram três posts diferentes com os quais me identifiquei muito e me ajudaram a refletir sobre a minha vida e a minha carreira. Alguns amigos que leram meu texto acharam bem legal
e sugeriram que eu postasse aqui. O texto é em português, seguindo a linha
do blog. Lembrando que são minhas impressões pessoais, peço que compartilhem
também suas impressões aqui! Como é fazer ciência no Brasil para você?
Trabalhar com ecologia aqui, onde eu
estou, pode estar muito perto de representar a nata do ambiente de trabalho
nesta área do Brasil. Temos um laboratório cheio de cadeiras estofadas (fator
altamente limitante em muitos laboratórios de Universidades Federais),
computadores e ar condicionado para agüentar mais de 30 graus no verão. O ar
condicionado às vezes quebra, nos deixando um tanto desapontados. A internet é
péssima e, nos cinco anos de pós graduação por aqui, é um starter para
conversas. Tipo ao invés de falar do calor, da chuva, se fala em como a
internet está ruim! O banheiro do departamento é limpo e tem papel higiênico e
portas, o que falta em várias universidades federais pelas quais passei.
Do
mais, ainda que seja sobre a nata, ser uma pós-graduanda que anda de bicicleta
te torna um alvo para ladrões. Os arredores da universidade são perigosos. E a
universitária teme mais por perder seu computador com o backup do doutorado do
que por ser atropelada (os motoristas são mal educados).
Sobre os pesquisadores brasileiros do
Departamento - embora passem por todas as adversidades financeiras devido às
micharias pagas pelas agências de fomento (podia ser tão pior) - só tenho a dizer que são excelentes
profissionais, publicam bem e têm curiosidade genuína de aprender. Não gostam de
ciência Frankenstein, mas dão valor às colaborações, pois entenderam que
networking é essencial. Muitos pesquisadores estrangeiros passam por aqui e
nos vêem como bons modelos de ecólogos.
Sobre
o trabalho no campo: Para mim, injetar meu próprio dinheiro no campo foi
natural e inquestionável. Eu podia pagar, mesmo abdicando de fazer uma
poupança, e paguei muitos campos com dinheiro próprio. Mas também recebi financiamento para tantos
outros. No mestrado, o desgaste do veículo que usava (meu carro) foi extenso, pois a maior parte dos campos
(talvez 70-80%) eu fiz com ele, e não com o 4x4 da universidade (por falta de
dinheiro, indisponibilidade de técnicos, ou indisponibilidade dos carros). Se me arrependo por ter
investido nos meus campos? Se sinto ressentimento por isso? Nenhum. Mas penso
no filtro que isso representa. Muitos alunos não fazem campo, pois não tem
dinheiro pra investir, ou por se recusarem a pagar pra trabalhar.
Considero
essa limitação de dinheiro como desafio e oportunidade. Aprender a planejar
logística com tantos fatores limitantes pode ajudar a gerar doutorandos ninjas
em planejamentos, mas também que passaram por muitas frustrações. Para muitos
grants negados, temos um aceito e isso é tudo! Um sim e ficamos radiantes de felicidade, pois entendemos o valor da
ciência e sabemos que é melhor pingar do que secar. Essa seria a máxima no
incentivo à pesquisa no Brasil em Ecologia (talvez?): "É melhor pingar do
que secar". E mesmo pingando, publicamos lindamente e sambamos na cara do
recalque de qualquer pessoa que nos olhe de cima. O melhor do Brasil são os
brasileiros. E o melhor da Ecologia no Brasil é um misto de humildade e ousadia
que inspira demais!
Como tudo isso difere do
exterior?
Não tenho propriedade para
dizer, mas já encontrei situações de limitação parecida nos outros lugares do
mundo. A desvalorização do pós-graduando talvez seja um denominador comum nas
universidades afora. Talvez nos lugares mais frios, os "gringos"
tenham mais foco e menos distrações para trabalhar. Talvez a internet deles
funcione melhor, e eles tenham mais livros em suas bibliotecas. Mas nós temos Sci-Hub e força de vontade. Mas também temos preguiça e queremos tomar uma
cerva gelada. Talvez eles tenham uma base logico-matemática melhor que as
outras. Talvez nosso vira-latismo nos faça mais fortes, ou nos faça lembrar de
nossas origens. Uma colega minha diz com convicção (e não vi provas rs, mas acredito nela!) que teve
papers rejeitados simplesmente por ter um sobrenome tão português. Sim,
acredito que ter gringos no paper pode aumentar a chance do paper ser aceito, mas por
N fatores e não apenas por receio ou discriminação de latinos, no caso dos brasileiros (somos latinos!).
Mas talvez algo tão tenso seja assunto para outro post. Talvez, como meu
sobrenome é belga e eu publico faz tempo, várias revistas se referem a mim em
emails como Doutora desde que eu estava no mestrado (quando elas não sabem
meu nível acadêmico e quando eu meu nível não está cadastrado no sistema
delas). Talvez seja só uma falha de informação das revistas, enfim, nunca
entendi isso.
Do mais, penso que a discussão maior é como alcançar seu ikigai no Brasil. Se fazer ciência for realmente seu ikigai, como o lugar em que você se encontra pode te ajudar ou atrapalhar nisso? Como conciliar sonhos, estabilidade e bem-estar seguindo essa carreira? Para se aprofundar nisso, sugiro a leitura desse post.
É isso! Como é fazer ciência no Brasil para você? Comente aqui!
A seguir algumas fotos para exemplificar um pouco:
Em 2017: Nosso laboratório (LEEC) e suas role models incríveis, cheio de cadeiras e computadores. Parece uma lan house.
Indo a campo em 2013 com meu fiesta 1.0 preto sem ar condicionado no verão. Saudades desse carro.. acabei com ele!
Em 2012: fazer campo pertinho de casa em lugares bonitos dá uma sensação de liberdade e alegria. Aí vemos a Paola segurando um facão na linha do trem. Monique só olha.
Em 2013: Em diversas áreas florestais o acesso é bem mais fácil se existem aceiros e uma 4x4.
Em 2015: Em áreas de Mata Atlântica, muitas vezes por ter várias pirambeiras, só se chega a pé ou de 4x4.